O mundo assiste a uma pandemia nunca vista, nem tampouco, prevista. Empresas, comércio, funcionários, colaboradores, todos sentem os impactos diretos ou reflexos de um mundo “distante socialmente”.
Em uma era tecnológica, onde aplicativos nos conectam, o mundo vive o distanciamento social forçado. Essa realidade atinge os negócios e a forma como vivemos.
Não é possível, nesse momento, calcular o tamanho do impacto na economia brasileira, nem tampouco quais setores serão mais atingidos. Contudo, é possível afirmar que as relações contratuais serão inevitavelmente atingidas.
Não há contrato que preveja um mundo em colapso. Em razão disso, questões podem ser levantadas neste período de incertezas. Como cumprir contratos celebrados em tempos normais, quando o mundo foi atingido por um cataclismo viral devastador? O que fazer? Rescindir? Aditar? Resilir? Suspender?
Sempre ouvimos que o contrato é lei entre as partes (pacta sunt servanda), todavia como fazer valer a lei para as partes, em momentos excepcionais? Pode o contrato ser flexibilizado?
A possibilidade de revisão ou até mesmo resolução contratual com base em pandemia tornam-se exigências que se impõem ante a “excepcionalidade” da situação universal que ameaça a vida dos trabalhadores, da ruína, falência e quebra de empresas, levando-as a suspender o pagamento de suas obrigações legítimas e vencidas.
Como é de ciência de todos o prefeito de Belo Horizonte, por meio do Decreto n. 17.304, de 18/03/2020[1], suspendeu os alvarás de localização e funcionamento de várias atividades em:
I — casas de shows e espetáculos de qualquer natureza;
II — boates, danceterias, salões de dança;
III — casas de festas e eventos;
IV — feiras, exposições, congressos e seminários;
V—- shoppings centers, centros de comércio e galerias de lojas;
VI— cinemas e teatros;
VII — clubes de serviço e de lazer;
VIII — academia, centro de ginástica e estabelecimentos de condicionamento físico;
IX — clínicas de estética e salões de beleza;
X — parques de diversão e parques temáticos;
XI — bares, restaurantes e lanchonetes.
Mesmo com a ressalva da possibilidade de serviço de entrega em domicílio, tal decreto suspende grande parte do comércio de realizar sua tarefa fim, que é comercializar produtos.
É verdade que em momentos excepcionais medidas excepcionais devem ser tomadas. Todavia, como diminuir os prejuízos? Muitas entidades de classe e associações têm tomado medidas para amortecer os impactos.
Na situação de pandemia que o Brasil vive, o bom senso aconselha as partes acordantes proceder à revisão ou até mesmo à resolução contratual, o que tem respaldo legal. O art. 421-A do Código Civil prevê:
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I — as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II — a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III — a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias,
Atualmente resta superado o entendimento de que o que é contratado é justo e não pode ser revisto (pacta sunt servanda)
A crise do real em 1999, ou efeito samba, foi um forte movimento de desvalorização de nossa moeda. Houve intervenção do Banco Central -, que abandonou o regime de “bandas cambiais”, passando a operar em regime de câmbio flutuante.
Muitos contratos, à época, eram indexados em dólar o que levou a desequilíbrios contratuais monumentais. Configurou-se causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das partes.
A intervenção nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais e vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) e de evento extraordinário (teoria da onerosidade excessiva), que comprometam o valor da prestação. A ruptura contratual reclama superveniência de evento extraordinário, impossível de as partes anteverem, não sendo suficientes alterações que se inserem nos riscos ordinários (REsp 945.166/GO).
Vejamos a inteligência do Enunciado nº 366, aprovado na IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação”. O art. 478 do Código Civil prevê:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Não há dúvidas de que a pandemia causada pelo coronavírus funciona como fator de desequilíbrio contratual. O melhor a fazer é priorizar uma solução consensual, com concessões múltiplas a fim de equalizar os ônus e os bônus contratuais.
Quando não possível a solução consensual, medidas administrativas e judiciais devem ser tomadas, haja vista que os impactos das rotinas diárias, com a limitação da circulação da população, fechamento de estabelecimentos, redução dos horários de funcionamento, especialmente no comércio, decorrentes da pandemia do Covid-19, podem ser considerados fatos imprevisíveis, em matéria de contratos, e dar ensejo à teoria da imprevisão para resolver o contrato (art. 478 CC) ou apenas operar a sua revisão com a modificação equitativa (art. 421, parágrafo único, art. 421-A e, art. 479, ambos do Código Civil). Faz-se necessária a ajuda de um profissional competente na matéria para a solução desses problemas.
Por Pedro Araújo Nascimento
Advogado da França Magalhães & Advogados Associados
[1] https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/prefeito-suspende-temporariamente-funcionamento-de-estabelecimentos-comerciais
[2] https://www.oabmg.org.br/Noticias/Index/10024/OAB_MG_prorroga_vencimento_da_anuidade_para_29_de_maio_de_2020
[3] http://crefito4.org.br/site/2020/03/19/crefito-4-busca-junto-a-planos-de-saude-medidas-para-atenuar-impacto/
[4] https://veja.abril.com.br/economia/coronavirus-lojas-em-shopping-terao-isencao-no-aluguel-durante-fechamento/