As consequências do coronavírus sobre as atividades desempenhadas pelas pessoas naturais e jurídicas estão sendo sentidas por toda a população mundial, dentro da qual se inclui a brasileira.
É notória a interrupção ou a grave redução do funcionamento de indústrias, estabelecimentos comerciais, escritórios e consultórios de profissionais liberais, atividades agropecuárias e outras formas de prestação de serviços e de atividades econômicas, com prejuízo elevado às suas finanças, sobretudo, aos seus fluxos de caixa, afetando seus bons funcionamentos e comprometendo as suas capacidades de saldar os seus compromissos contratados antes da pandemia.
O fato é que o repentino surgimento e avanço da doença, em proporções mundiais, rompeu o pacto e as bases econômico-financeiras dos contratos anteriormente firmados de boa-fé pelas pessoas naturais e jurídicas que exercem as suas atividades no Brasil, justificando o ajuste das condições dos contratos firmados antes da pandemia.
O art. 421-A, III, do Código Civil estabelece a possibilidade de revisão contratual, que somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada:
“Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)”
Já os arts. 478 e 479 do Código Civil estabelecem a possibilidade de resolução do contrato, bem como a forma pela qual a parte contrária poderá evitá-la:
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.”
Não há dúvidas de que as gravíssimas consequências do advento e da propagação do coronavírus, sobre as atividades desempenhadas no país, subtrai dos contratos anteriormente firmados a paridade e a simetria originariamente existentes, justificando, legalmente, ou as suas revisões contratuais ou as suas resoluções, que estarão ocorrendo de maneira excepcional e limitada à situação atual.
Nota-se que a intervenção nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais e vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) e de evento extraordinário (teoria da onerosidade excessiva), que comprometam o valor da prestação. A ruptura contratual reclama superveniência de evento extraordinário, impossível às partes antever, não sendo suficientes alterações que se inserem nos riscos ordinários (v.g. REsp 945.166/GO).
Os elementos fático-jurídicos da situação atual do país, causada pelo surgimento e pela propagação do coronavírus, constituem, sem nenhuma sombra de dúvidas, evento imprevisível e extraordinário, impossível às partes de prever, autorizando a revisão dos contratos ou a sua resolução por onerosidade excessiva.
Em situação incomparavelmente menos grave do que a atual, assim decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ORDINÁRIO EM MS Nº 15.154 – PE (2002/0089807-4)
RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
“EMENTA
CONTRATO ADMINISTRATIVO. EQUAÇÃO ECONÔMICO FINANCEIRA DO VÍNCULO. DESVALORIZAÇÃO DO REAL. JANEIRO DE 1999. ALTERAÇÃO DE CLÁUSULA REFERENTE AO PREÇO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO E FATO DO PRÍNCIPE.
1. A novel cultura acerca do contrato administrativo encarta, como nuclear no regime do vínculo, a proteção do equilíbrio econômico-financeiro do negócio jurídico de direito público, assertiva que se infere do disposto na legislação infralegal específica (arts. 57,§ 1º, 58, §§ 1º e 2º, 65, II, d, 88 § 5º e 6º, da Lei 8.666/93. Deveras, a Constituição Federal ao insculpir os princípios intransponíveis do art. 37 que iluminam a atividade da administração à luz da cláusula mater da moralidade, torna clara a necessidade de manter-se esse equilíbrio, ao realçar as “condições efetivas da proposta”.
2. O episódio ocorrido em janeiro de 1999, consubstanciado na súbita desvalorização da moeda nacional (real) frente ao dólar norte-americano, configurou causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das partes.
3. Rompimento abrupto da equação econômico-financeira do contrato. Impossibilidade de início da execução com a prevenção de danos maiores. (ad impossiblia memo tenetur).
4. Prevendo a lei a possibilidade de suspensão do cumprimento do contrato pela verificação da exceptio non adimplet contractus imputável à administração, a fortiori, implica admitir sustar-se o “início da execução”, quando desde logo verificável a incidência da “imprevisão” ocorrente no interregno em que a administração postergou os trabalhos. Sanção injustamente aplicável ao contratado, removida pelo provimento do recurso.
5. Recurso Ordinário provido.”
Portanto, é prudente que, antes que fiquem em atraso com as suas obrigações contratuais, as pessoas naturais e as pessoas jurídicas que estejam em dificuldades, em razão das circunstâncias criadas pelo surgimento e pela propagação do coronavírus, busquem uma solução para a situação, ou negociando diretamente com a outra parte contratante, ou por meio de seus respectivos advogados.